“Não é o bastante fazer ver o que se pinta, é preciso ainda fazer tocar.” George Braque
Quando Cézanne afirmou que “entre o objeto e o pintor se interpõe um plano, a atmosfera” fez coincidir o espaço plástico com esse no qual nos orientamos. Essa atmosfera se deve ao rompimento do tom definido não mais por misturas pigmentares, mas pela sobreposição da pós-imagem. Pelo aprofundamento dessa observação cezanneana diremos, então, que essa cor que se rompe é concreta adjetiva, é um par que contém em si sua oposta e cuja condição é ser no colorido. Opõe-se, assim, à cor abstrata substantiva, que subsiste por si mesma e é uma ideia platônica. Topologicamente há uma fronteira (ou um intervalo) entre esse espaço plástico resultante do rompimento do tom redefinido que permite uma passagem para o espaço imediato no qual nos orientamos. E mais ainda: Cézanne rompe com o espaço plástico albertiano, que acontecia além da superfície do suporte. Esse espaço deixa de ser lá, e passa a ser ali – e nesse caso, como diz Braque, pode ser tocado, na medida em que o suporte é coberto por uma pintura com cores que nos levam a pensa-las como abstratas substantivas, ou seja, sem a manifestação de uma atmosfera – ou aqui, quando as cores são concretas adjetivas.
Essa percepção de Cézanne permitiu o surgimento do cubismo analítico. Os historiadores de arte dizem que no cubismo analítico há a predominância de poucas cores (preto, cinza e tons de marrom e ocre). O que há são rompimentos de tons, por exemplo, os ocres, na realidade amarelados, se rompem em direção aos cinzas, ou melhor, por contrastes, azulados. Em minha opinião, esse espaço imediato, aqui, permitiu a Duchamp, certamente por um espírito de época, colocar sua obra, A fonte, como um objeto.
Vejamos, então, as obras de Kakati. Há um primeiro suporte pintado com um tom rompido, que, embora criando uma atmosfera, pode ser percebido como um objeto. Mas a atmosfera criada permite também sobrepor a esse primeiro objeto um outro suporte também pintado com tons rompidos, portanto outro suporte. Há nisso uma estrutura topológica na medida em que esse segundo suporte vai ocupando o espaço imediato.
É importante se dizer que não estamos considerando esses trabalhos de Kakati sendo vistos por seus simples aspectos. Consideramos um olhar prospectivo, como nos adverte Poussin, olhar esse que considera o saber do olho, as diversas distâncias e os eixos visuais. Esse saber do olho nos permite ver pelos intervalos, nesse caso, as fronteiras consideradas em uma estrutura topológica.
E assim avançamos e chegamos ao serpenteamento vinciano, ou seja, uma linha que tem uma potência, uma oscilação, que anima o espaço plástico. Essa linha serpenteante difere da euclidina, que é estática. Diremos, então, que Kakati está nos apontando para outra geometria. O objeto transcende ou, em outras palavras, vai além do objeto.