“Em cada dez pintores apenas um é colorista.” – Sêneca

Helio Oiticica escreveu, na década de sessenta, que havia um problema na pintura, a cor. Declarou então que a era da pintura de cavalete estava definitivamente encerrada. Seguiu seu caminho “espacializando” a pintura. Pergunta-se: o problema continua? Creio que sim.

Creio que esse problema da cor na pintura pode ser estudado a partir dos artistas pós impressionistas do final do século XIX.

Van Gogh e Odilon Redon, aos se referirem ao rompimento do tom, afirmaram que se misturássemos um laranja e um azul puros em quantidades iguais obteríamos um cinza absolutamente incolor. Apoiavam-se no círculo cromático iluminista que pretendia, racionalmente, explicar todos os fenômenos cromáticos da natureza. Já Guaguin afirmou quer a cor era enigmática. E se perguntou se deveríamos pintar uma sombra azulada ou o mais azul possível. Instalaram-se suas dúvidas. Sendo a cor enigmática, como racionalizá-la? Deveria usar a cor adjetivada ou idelizada? Já Cézanne afirmou que a luz não existe para o pintor, tem que se substituída por uma outra coisa, a cor. No final de sua vida diz que não realizou e nem realizará nada do que pretendia e que fora um primitivo pelas coisas novas que descobrira. Já Seurat, baseado no livro de Chevreul, realizou uma obra ancorada em princípios científicos. Estudou a divisão do tom baseado no círculo cromático iluminista. Seurat foi seguido por Paul Signac e esse método foi classificado pela crítica como pontilhismo, que é apenas um procedimento e não uma questão teórica.

No início do século XX duas retrospectivas importantes são realizadas em Paris entre 1902 e 1904, a de Van Gogh e Gauguin. Matisse, então, inicia o movimento fauvista. Afirma que as cores devem ser puras e obedecer à emoção. Diz ainda que não quer pintar como Signac, que escolhe uma cor ou outra baseado em princípios teóricos, princípios estes baseados no círculo cromático iluminista. Matisse é seguido por Braque, Vlaminck, Derain e muitos outros pintores. Sem uma base teórica forte o fauvismo dura apenas dois anos, de 1905 a 1907. Em 1906 é realizada a retrospectiva de Cézanne. Um ano depois Braque dá início aos primeiros quadros cubistas e começa e usar o rompimento do tom que tem uma dimensão temporal. É seguido logo por Picasso. A crítica não percebendo toda a riqueza dos rompimentos de tons dinamizando o colorido com uma dimensão temporal, afirma que os cubistas resumiram suas paletas aos ocres, cinzas e pretos. Ao utilizar o rompimento do tom, agora percebo, Braque anima a pintura graças ao serpenteamento vinciano e o cinza sempiterno, modulando portanto, e isso permanece em toda sua obra, ao contrário de Picasso, que depois de 1914 passa mais a modelar. E assim, com poucas exceções, outros pintores cubistas.

“A modulação por toques foi a invenção propriamente cezanneana por toques distintos puros e segundo a ordem do espectro foi a invenção propriamente cezanneana pra atingir o sentido háptico da cor.” Gilles Deleuze, Fannncis Bacon – Lógica da Sensação. Claro, essa observação do filósofo de que Cézanne em seu cromatismo seguia a ordem as cores não é uma conclusão, mas uma citação do que se dizia comumente. Alguns impressionistas utilizaram eu seus quadros duas escalas básicas para a passagem luz sombra que obedeciam a ordem das cores do espectro. As duas escalas: 1 – laranja, amarelo, verde e azul: 2 – laranja, vermelho, violeta e azul.

Cézanne ao romper com os impressionista não mais pensou nas cores e coloridos a partir do círculo cromático iluminista, portanto não mais colorindo a partir de una escala baseada na ordem das cores do espectro. Daí ter afirmado que a luz não exite para o pintor e que somente um cinza reina na natureza. Para mim esse é o cinza sempiterno, um não espaço e um não tempo, causa e feito dos coloridos. Esse cinza resulta do rompimento do tom que dá uma dimensão temporal à cor. Assim percebemos em Cézanne uma escala que pode ser exemplificada : Cor A, rompimento da cor A, cinza sempiterno, rompimento da cor oposta de A, cor oposta de A. Portanto uma escala que em nada obedece a uma ordem das cores do espectro.

Citemos então Guaguin: “Esforcei-me para provar que os pintores, em nenhum caso, precisam dos apoio e instruções dos homens de letras. Esforcei-me lutando contra todas essas resoluções que se transformas em dogmas de que desorientam não somente os pintores mas o público. Afinal, quando compreenderemos o sentido da palavra liberdade.” De minha parte creio q devemos hoje procurar fazer um discurso de dentro da pintura e não fora dela.

Continuemos. Em meados do século XX tivemos alguns estudiosos das cores, Kandinsky, Klee, Albers e Itten, mas todos ainda considerando o círculo cromático iluminista. Alguns coloristas surgiram depois, poucos, certamente pelo fato de os pintores considerarem um olhar não pelo simples aspecto, mas um prospectivo que implica em um saber do olho, como nos adverte Poussin. Esses coloristas não se apoiaram tanto nesse círculo cromático iluminista, mas também não criaram nenhuma outra teoria cromática para substituí-lo. O curioso é que Rudolf Arnheim me seu livro Arte e percepção Visual percebe a inadequação desse círculo cromático e propõe até uma outra teoria, mas nada convincente. Vale notar também que Mondrian, já no fim sua vida, declara que seus quadros em branco preto e as três primárias não passam de desenhos coloridos.

Parece-me que essa crise na pintura que eclodiu a partir da década de sessenta e os discursos sobre sua morte recalcaram ainda mais a questão da cor. Claro, isso não impediu que grandes artistas com novas ideias surgissem como acima anotamos. De minha parte continuei fiel à cor, e nos meus estudos descartei o círculo cromático iluminista, o que me permitiu descobrir o cinza sempiterno como um pré ou pós fenômeno. Redefini o rompimento do tom não mais como misturas pigmentares, mas como sobreposição no tom de sua pós imagem o que deu à cor uma dimensão temporal. Pensei nas cores abstratas substantivas, ideias platônicas nas quais a cor subsiste por si só. Pensei nas cores concretas adjetivas como um par que contém em si sua oposta e cuja condição é ser no colorido. Reinterpretei o serpenteamento vinciano. Estou imaginando a possibilidade de se pensar em uma geometria das cores. E digo que essa geometria sou eu. Mas assim como Cézanne, me sinto como um primitivo pelas coisas novas que descobri. Muitas ainda são as dúvidas.

Rio, dezembro de 2013
José Maria Dias da Cruz