Caravaggio representava a luz e a sombra pelo claro escuro modelado. Um mesmo matiz ora é mais escuro, ora é mais claro. Torna-se, assim, mais gráfico, na medida em que aceita o primado do desenho no qual as formas, estas mais racionais que as cores, predominam. Isso certamente o levou a pintar uma natureza morta, que está em um museu de Milão, na qual uma consciência de um espaço plástico mais plano predomina. Essa natureza morta é toda construída a partir do número de ouro, portanto dentro de uma mentalidade qualitativa.
Caravaggio antecipa-se, assim, às questões levantadas por Mondrian com seus quadros nos quais usava somente as linhas horizontais e verticais, as três cores primárias, preto e nuances de brancos. O curioso é que no fim de sua vida Mondria tenha declarado que fez somente desenhos a óleo e logo começou a pintar seus dois últimos quadros. Em alguns quadros de Caravaggio podemos notar leves traços como linhas absolutas de contorno.
Rembrandt resolve a questão do claro escuro considerando o rompimento do tom. Sabemos que um preto se rompe em direção a uma pós-imagem clara como se fosse uma luz. (1) Assim o quadro deixa de ser gráfico e se subordina ao primado da cor que não pode ser racionalizada, na medida em que é enigmática. Dessa forma tem-se uma mentalidade mais qualitativa. A luz em Rembrandt está dentro do quadro. Há nessa luz, em todas as suas intensidades, uma qualidade que não sabemos explicar e nem há razão para isso. E o espaço plástico deixa de ser remoto ou abstrato, na medida em que deixa de ser gráfico, e uma representação do espaço imediato e não de um remoto. Vale lembrar que Leonardo enumera os brancos e os pretos no número das cores simples, argumentando que os pintores nada podem fazer sem eles, embora reconheça que os primeiros para os físicos e filósofos são a presença de todas as cores e os segundos a ausência delas. Os quadros de Rembrandt ganham, assim, uma atmosfera, o cinza sempiterno se manifesta e com ele o serpeteamento vinciano. Este serpeteamento decorre do fato de Leonardo, ao pensar nos limites dos corpos, considerou uma visão bi ocular. Esses limites tornam-se, assim, instáveis e não absolutos como na perspectiva científica. Criam uma oscilaçãoe uma energia que animam o espaço plástico.
Há, assim, uma dimensão ontológica nas pinturas de Rembrandt. Isso nos leva a Poussin que se refere a um saber do olhar prospectivo que considera a percepção de um objeto além de seu simples aspecto. O curioso é a afirmação de Poussin na qual diz que Caravaggio foi posto ao mundo para acabar com a pintura.
1 – Olhar o quadrado preto durante 15”, deslocar em seguida o olhar para o branco à direita. Veremos uma pós-imagem como uma luz. SE repetirmos a operação e reduzirmos à metade a distância de observação veremos sobrenadando sobre o preto sua pós-imagem. O rompimento se dá no tempo. Há um limite nesse rompimento. Além dele entramos na zona do invisível, de um pensamento especulativo e abstrato. Por uma intuição com conhecimento chegamos ao cinza sempiterno. Como estamos considerando os brancos e os pretos como cores, e como todas elas se rompem (observe-se abaixo os rompimentos de um quadrado vermelho e de outro verde), podemos afirmar que todas elas se dirigem a um ponto central, que não têm nenhuma dimensão, é um não espaço e um não tempo. Esse ponto, assim, contém todas as cores de um colorido. E ultrapassando certo limite, estão em uma zona não visível. Elas para esse ponto convergem ou divergem e na divergência nos possibilita os coloridos. Diremos, portanto, que esse ponto, o qual denominamos de cinza sempiterno. É um pré ou pós-fenômeno. Ou causa de si mesmo. Como Cézanne afirma que na natureza tudo está colorido, aproximamo-nos de Espinosa que afirma que a natureza é também causa de si mesmo.
Falamos acima do colorido, dos rompimentos, do cinza sempiterna, do visível e do invisível. Diremos, então, que um colorido é bem mais do que as formas subordinadas às cores. É, também, a representação do que é visível e invisível. Para entendermos esses fenômenos é importante um saber do olho que é bem mais que uma simples percepção.