Artigo de Salim Miguel.
Os florianopolitanos podem agora admirar, no hall da reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina, promoção DAC-UFSC, a exposição de um importante pintor contemporâneo brasileiro José Maria Dias da Cruz, ou, para os amigos, Zé Maria, que tem um fato insólito a ligá-lo à então bela e pacata cidadezinha dos anos 40. Vejamos qual:
Há exatos sessenta anos acontecia, no pátio coberto do Grupo Escolar Dias Velho – Rua Saldanha Marinho, esquina com Victor Meirelles –, a abertura da exposição de Arte Contemporânea trazida por Marques Rebelo, graças a contato dele e de Flávio de Aquino com o Secretário de Educação do Estado, Armando Simone Pereira, e o imprescindível apoio da “turma da revista Sul” (in carta de Rebelo a Aníbal Nunes Pires). Antes da abertura, devido à divulgação pela imprensa, já a cidade se dividia entre os que abominavam “aquelas coisas” e os que adoravam aquelas mesmas coisas, embora ambos os grupos só tivessem visto reproduções. A exposição só fez ampliar a polêmica, que se tornou mais acirrada com as três palestras de Rebelo, misto de erudição e irreverência, no próprio local e que durante dias foram motivo de bate-boca nas ruas da capital catarinense.
Marques Rebelo já havia realizado exposições semelhantes em Resende – RJ, Cataguases – MG, e Buenos Aires, sempre com sucesso. Não foi diferente em Florianópolis. Não demora ele, mais para baixo, magro, elétrico, conversador, estava freqüentando o café Rio Branco, o Poema Bar, o Miramar, o restaurante Pérola, e, principalmente, os bancos da figueira da Praça XV.
Pela primeira vez, podíamos ver, entre outros, originais de Portinari, Di Cavalcanti, Pancetti, Djanira, Iberê Camargo, além de reproduções de pintores de vários países, e, “fato insólito”, trabalhos de dois rapazolas na faixa dos 10 anos, o parisiense-florianopolitano Rodrigo de Haro e o carioca José Maria Dias da Cruz. Em Florianópolis, uma das primeiras visitas de Rebelo foi a Martinho de Haro, por ele considerado um dos mais importantes pintores modernos brasileiros; na ocasião se deparou com desenhos do Rodrigo e resolveu expô-los ao lado dos de Zé Maria. Na exposição similar em Belo Horizonte, lá estavam de novo os dois.
Resultado direto da exposição, foi criado o Museu de Arte Moderna de Florianópolis, com um pequeno acervo, logo acrescido de trabalhos de pintores paulistas doados pelo governador Ademar de Barros. Em 1949, o museu foi oficializado por decreto do governador Aderbal Ramos da Silva, e nos anos 60 se transformou no MASC, hoje com um considerável acervo. Marques Rebelo sempre incentivou o crescimento do museu.
O autor de A estrela sobe morto antes de completar 70 anos, sem ver concluído seu ambicioso projeto do romance cíclico O Espelho Partido, do qual apenas 3 dos 7 volumes foram publicados, não teve também como ver a trajetória ascendente e a importância que hoje Zé Maria tem para a nossa pintura.
Tenho, de José Maria Dias da Cruz, um quadro dos anos 60, ele já um artista maduro; eterno insatisfeito, passou por várias fases; a exposição atual é quase toda ela constituída de quadros pintados na tumultuada Florianópolis de hoje. Ao falarmos de José Maria não podemos esquecer o professor renomado, que durante anos ensinou os segredos da pintura no Parque Lage/RJ. Pesquisador e estudioso, se detém sobre a vida e obra de grandes pintores, como por exemplo Cézanne.
Encerro com algo que já deveria ter explicitado: José Maria Dias da Cruz é filho de Eddy Dias da Cruz. Alguém deve se perguntar ou me perguntar: e daí? É que Eddy Dias da Cruz é nada mais nada menos do que Marques Rebelo, a quem devemos a criação do MASC e o encontro, pela primeira vez, com os mais importantes pintores brasileiros.
“O coração que sente vai sozinho,
Arrebatado, sem pavor, sem medo,
Leva dentro de si raro segredo,
Que lhe serve de guia no caminho”.
Cruz e Sousa